'Mundo do samba está triste': carnavalesca Maria Augusta Rodrigues é sepultada na Zona Sul
Despedida da histórica personalidade dos desfiles foi marcada por reverência de dezenas de escolas e emoção
Por: Raphael Perucci, Fred Vidal, O Dia
Publicado em: 12/07/2025
A carnavalesca Maria Augusta Rodrigues foi sepultada na tarde deste sábado (12), no Cemitério São João Batista, em Botafogo, na Zona Sul. Referência histórica do Carnaval carioca, a ex-comentarista estava internada no CTI do Hospital São Lucas, em Copacabana, e, aos 83 anos, sofreu complicações em decorrência de um câncer na bexiga.
Maria Augusta é destacada pelo protagonismo feminino nos desfiles e pela contribuição intelectual à folia. A despedida contou com a presença de grandes nomes da Sapucaí, como a porta-bandeira Selminha Sorriso, da Beija-Flor; Gabriel Haddad e Leonardo Bora, carnavalescos da Unidos de Vila Isabel; André Vaz, presidente do Salgueiro, e Elmo José dos Santos, ex-presidente da Mangueira e diretor de Carnaval da Liesa. Uma coroa de flores enviada por dezenas de escolas, como Portela, Tuiuti, Ilha, Salgueiro e Beija-Flor, marcou a homenagem à carnavalesca.
"Nossa história é de afilhada e madrinha. Ela sempre cuidou de mim, puxou minha orelha. Sempre me orientou. Em uma das visitas, eu segurei a mão dela, fiz carinho no rosto, dei beijo... Ela disse: 'querida' e voltou a dormir novamente. Essa é a imagem que eu vou ficar. Ela foi descansar, estava sofrendo muito nos últimos dias, estava sem forças. Eu ainda tinha esperanças que ela fosse ficar bem, porque ela sempre foi muito forte, sempre vencia as dificuldades. O céu recebeu mais uma sambista, que entendia o protagonismo das pessoas pretas, brigava pela nossa cultura de matriz africana", ressaltou Selminha Sorriso.
Muito respeitada em todos os segmentos do carnaval, Maria Augusta era presença cativa nas quadras durante todo o ano. Comparecia a quase todos os eventos promovidos pelas escolas, como lançamento de sinopses, apresentações de protótipos e finais de samba-enredo. Na temporada de ensaios técnicos, entre janeiro e fevereiro, acompanhava tudo de perto - sempre atenta aos detalhes e à evolução das escolas na pista.
"O mundo do samba está triste, o Salgueiro está triste, por tudo que ela representou para a escola, tudo que ela nos ensinou. Agora, é tocar o legado que ela deixou para a gente seguir nessa paixão que se chama carnaval. Esse ano, foi homenageada pela Aprendizes do Salgueiro, foi uma emoção que ela sentiu. é um orgulho que a gente carrega como um título, tantas pessoas importantes que iniciaram sua trajetória pelo Salgueiro. Foram ser felizes em outras escolas, tiveram muito sucesso, título, e começaram lá. É um marco que carrega nossa escola", destacou André Vaz.
Durante o enterro de Maria Augusta, ritmistas do Império Serrano tocaram o clássico "Bumbum Paticumbum Prugurundum", samba-enredo da escola em 1982. A carnavalesca ocupava o cargo vitalício de madrinha de bateria da agremiação.
Nascida no interior do estado do Rio, em São João da Barra, Maria Augusta teve seu primeiro contato com o samba no fim da década de 1960, no Império da Tijuca. Em 1969, estreou com título no Salgueiro com o enredo "Bahia de Todos os Deuses", atuando como assistente de Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues. Voltou a vencer no Salgueiro em 1971, com "Festa para um Rei Negro", e em 1974, quando auxiliou Joãosinho Trinta em "O Rei de França na Ilha da Assombração".
Nos anos seguintes, fez história na União da Ilha do Governador, onde assinou desfiles marcantes como "Domingo" (1977) e "O Amanhã" (1978), consolidando um estilo próprio, com enredos leves e de grande apelo popular.
Na década de 1980, passou por escolas como Paraíso do Tuiuti e Tradição. Em 1993, realizou seu último trabalho como carnavalesca na Beija-Flor de Nilópolis, substituindo Joãosinho Trinta no enredo "Uni-duni-tê, a Beija-Flor escolheu: é você".
Mesmo com a forte conexão com o Salgueiro e com a Beija-Flor, a artista também tinha um grande carinho pelo Império Serrano, que a consagrou como madrinha de bateria na década de 1980. Desde então, Maria Augusta desfilava, orgulhava, todos os anos na lateral da pista, à frente dos ritmistas.
Fora da Avenida, construiu trajetória respeitada como comentarista de desfiles, com passagens pelas emissoras Band, Manchete, Globo e CNT. Candomblecista e ex-professora da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Maria Augusta exerceu papel fundamental na formação de artistas visuais e carnavalescos, como Marcia Lage, que morreu em janeiro de 2025, sua ex-aluna.
Informalmente, exerceu o papel de "embaixadora" das artes e do samba, recebendo ao longo das décadas diversos pesquisadores e profissionais estrangeiros interessados no carnaval brasileiro, facilitou intercâmbios. Em 2004, virou enredo do Arranco, no desfile do antigo Grupo B. Em 2025, foi homenageada pela escola mirim Aprendizes do Salgueiro.
Teve sua trajetória lembrada também numa exposição no Sesc Madureira, em 2023, que reuniu desenhos, croquis e outros objetos do seu acervo pessoal, sob a idealização do pesquisador Leonardo Antan. Solteira, a artista não teve filhos.